quinta-feira, 19 de abril de 2012

Chanan e seu violino





Chanan e seu violino
Por Gershon Kranzler



Quando Chanan completou cinco anos seu pai, o famoso Dr. Yitschak Greenberg, advogado de destaque em Lodz, e filho do igualmente famoso Rabi Aaron Greenberg, deu a ele seu primeiro violino, no mesmo dia em que começou a estudar o Chumash. Para alegria do seu pai, Chanan provou-se aplicado tantos nos estudos judaicos quanto em sua música. Na verdade, seu talento no violino era tão impressionante, que o pai comprou-lhe um instrumento muito precioso, a obra prima de um famoso italiano de Cremona.

Porém a satisfação do Dr. Greenberg com o progresso do filho nos estudos teve curta duração. Quando Chanan contava pouco mais de dez anos os nazistas invadiram a Polónia. Colegas invejosos trataram de assegurar que o advogado judeu fosse um dos primeiros a serem presos. Ele morreu como um mártir pela fé. Chanan e sua mãe conseguiram esconder-se em Lodz durante um ano depois disso, quando então os alemães começaram uma caçada intensa por todos os lares judeus. Numa noite escura, a Sra. Greenberg e seu filho empreenderam uma fuga do terror e da fome. Quase perderam tudo que possuíam. Mas quando chegaram a Varsóvia, Chanan ainda se agarrava ao seu violino de madeira escura. Numa manhã gelada a caixa de madeira fora sacrificada para mantê-los aquecidos. Mas, quanto pior a situação, mais suaves eram as melodias que fluíam das cordas desprotegidas do violino. Elas forneciam consolo nos momentos de profundo desespero e pavor.

O Gueto de Varsóvia estava lotado além da sua capacidade, e a situação se tornava pior a cada dia. Fome, doenças e terror assolavam os assustados judeus na armadilha da qual não podiam escapar vivos. Chanan e a mãe moravam com o pai do Dr. Greenberg, no aposento único que os antigos seguidores do Rabino tinham arrumado para ele. O ancião parecia ser capaz de sobreviver sem comida, pois tudo que seus chassidim lhe levavam, ele dava à nora e ao neto. Apesar disso, a mãe de Chanan não conseguiu suportar a provação. Uma noite o idoso Rabino acordou o menino do seu sono inquieto. "Acorde, Chanan, pegue o violino e toque para sua mãe. Isso a ajudará a morrer mais facilmente." Chanan mal tinha tocado o violino durante os meses de sofrimento no Gueto, mas entendeu o desejo de avô e da mãe. Sua música era a única nota de beleza na situação em que viviam.

Enquanto o Rabino recitava Tehilim, Chanan ficou ao lado da mãe e tocou como jamais tocara antes. Sua alma jovem, desesperada, fez surgir uma melodia de fé que tinha embelezado os últimos instantes das centenas de judeus que morreram com as palavras de "Ani Maamim" (Eu creio) nos lábios e no coração. Enquanto as notas da singela melodia cortavam o silêncio do Gueto naquela noite de terror, a mãe de Chanan devolveu sua alma ao Criador, levando a mensagem da fé infinita dos moradores do Gueto perante Seu sagrado trono.
Chanan estava órfão. Durante um ano inteiro ele não tocou seu violino, embora cuidasse dele com carinho. Quando não estava estudando com o avô, contemplava as cordas silenciosas, e suas mãos jovens percorriam o gracioso desenho da madeira, com uma ternura e um amor que estavam além do seu entendimento.


O Levantamento do Gueto tinha começado, e a sensação de armadilha mudou subitamente de medo e tristeza para inspiração e coragem.
Certo dia ao amanhecer, quando os habitantes do Gueto estavam se aprontando para marcharem para a morte, o idoso Rabino disse a Chanan: "Agora não é hora de tristeza, meu filho. Pegue seu violino e toque para os judeus que vão morrer pela glória de D'us e de Seu povo. Estou velho demais para lutar. Mas você não é jovem demais para ajudá-los com a inspiração da sua música."
Chanan apanhou o arco e o violino e saiu de casa. Ele teria preferido levar um revólver, como muitos dos seus companheiros. Mas ele percebeu que tinha algo melhor a oferecer que os outros meninos e meninas. E de fato, para os homens e mulheres que caminhavam para o caos sabendo que não regressariam, a música de Chanan era como um remédio. Eles sentiam o coração mais leve com os acordes do violino e os sons da Canção da Fé, à medida que Chanan seguia com eles e os acompanhava à cena da sua batalha sem esperanças.
Com frequência, o menino se aproximava da cena de batalha, e as balas passavam perto dele e do seu precioso violino. Porém, como se estivesse imune àquilo tudo, ele caminhava despreocupado pela saraivada de balas, vivendo apenas para aqueles que iam para a morte. Os judeus do Gueto começaram a pensar nele como um talismã. Enquanto sua música tocasse, eles se defendiam, com unhas e dentes, do inimigo que era mil vezes superior a eles em número, treino e armas. Os alemães às vezes vislumbravam o menino com o violino a distância, e suas melodias os assombravam em seu sono. Começaram a temê-lo como um mau presságio, e foi prometida uma recompensa especial pela sua captura. Eles perceberam que para os galantes defensores do Gueto, o menino com o violino valia mais que uma centena de combatentes.

No quadragésimo dia da heróica resistência no Gueto de Varsóvia, os nazistas apanharam Chanan e seu violino. Tinham capturado uma casa fortemente defendida. Quando entraram no porão, viram o menino sentado no chão, com um velho de barba e cabelo brancos que jazia morto sobre o seu colo. Chanan não se deu mais ao trabalho de fugir. Ficou ali sentado, contemplando o rosto amado do avô morto, sem mais vontade de lutar pela vida. Os nazis o trataram como uma sensação, e não como a um inimigo. Muitos adolescentes, meninos e meninas, tinham lutado lado a lado com os homens e mulheres do Gueto, e os brutais alemães não tinham mostrado mais misericórdia com eles do que aos judeus adultos. Porém Chanan tinha se tornado uma espécie de lenda entre os soldados armados que abriam caminho para o interior do Gueto, e eles estavam ansiosos por conhecê-lo.
Não menos ansioso que seus homens estava o Coronel Von Bibra, seu impiedoso comandante, que esmagara a rebelião sem dó. Ele pediu ao menino que tocasse o violino. Porém Chanan recusou-se a obedecer a ordem dos seus captores. Eles o espancaram e chutaram, mas ele apenas respondeu: "Jamais tocarei para vocês, seus açougueiros." Antes que o Coronel Von Bibra entrasse para a carreira militar, ele tinha sido o primeiro violino num Quarteto de Música de Câmara, como a maioria dos seus ancestrais. Amava a música e por isso hesitava em matar o garoto, ou destruir seu violino. Mas quando percebeu que nem a bondade, nem a brutalidade, o induziriam a tocar, ele o enviou para Treblinka, o campo de extermínio, onde milhares de judeus morreram nas mãos do nazis.
"Toque para nós, Chanan" – imploravam seus companheiros nas barracas frias e imundas. Mas Chanan não atendia os pedidos. Seus olhos estavam distantes, muito distantes, onde nenhuma voz humana conseguia alcançá-lo. Tudo aquilo que tinha vivido e sonhado parecia errado agora. "Não posso, não posso tocar" – repetia ele consigo mesmo, os olhos pregados no arco e nas cordas do violino. Ele não precisava de uma desculpa para apresentar aos companheiros. Eles entendiam aquilo que estava se passando dentro dele, e não exigiam o impossível, embora ansiassem pelo conforto da música de Chanan, sobre a qual tinham ouvido comentários feitos pelos poucos sobreviventes do Levante do Gueto de Varsóvia.

Certa noite Chanan estava dormindo num catre a um canto, e em seu sonho o velho Rabino, seu querido avô, apareceu a ele: "Você está aqui, frio e insensível às almas dos seus irmãos. Sabe que por causa da sua recusa em tocar, eles têm medo da morte?"
No dia seguinte, quando o costumeiro grupo de prisioneiros foi levado para a morte pelos guardas do campo, Chanan endireitou seu arco e afinou as cordas do violino. Quando o grupo saiu marchando, ele tocou a Canção da fé, que tocara pela primeira vez quando sua mãe estava morrendo devido aos horrores da vida no Gueto. Sorrisos de felicidade surgiram no rosto dos condenados enquanto caminhavam para a morte. Eles olhavam através dos rostos sorridentes dos seus carrascos, como se estivessem vendo o mundo melhor e mais elevado que os esperava, além dos muros silenciosos dos matadouros e da brutalidade de uma morte horrível.
Capitão Bauer, o comandante do campo, estava de plantão o tempo todo. Certa noite, quando passava pelas barracas para conferir o trabalho dos guardas, ouviu música. As lindas melodias fluíam das cordas de um violino e ecoavam nas vozes profundas e melancólicas do coro de prisioneiros. Havia um espírito de desafio; havia esperança e felicidade no meio da sua tristeza. Não era isso que o Capitão Bauer esperava das suas vítimas. Portanto, ficou perplexo ao ouvir a revolta espiritual que ecoava nas vozes dos prisioneiros. Tocou seu apito, e à frente de um grupo de guardas da SS, ele entrou nos barracões de onde tinha vindo a música. Viu o menino de pé no meio da sala grande, cercado pelos internos do campo, cujos rostos pálidos empalideceram ainda mais quando os potentes fachos das lanternas passaram por eles. Pararam de cantar, mas Chanan continuou a tocar seu violino, alheio a tudo que se passava ao redor. Permaneceu no escuro, os olhos cerrados, melodia após melodia fluindo pelo seu corpo. Foi agarrado rudemente por um homem da SS, que o sacudiu do seu transe. Foi levado até o Comandante. Ali, o Capitão Bauer ordenou-lhe que tocasse. E novamente Chanan respondeu: "Meu violino não toca para vocês, açougueiros." Foi espancado e chutado, mas em vão.

O Capitão Bauer não era tão sentimental quanto o Coronel Von Bibra. Seus antepassados tinham sido camponeses rudes, não cavalheiros que cultivavam as finas artes quando não estavam extorquindo viajantes ricos. Portanto, não estava disposto a brincar com um obstinado garoto judeu. Puxou o revólver e disse a Chanan para tocar ou morrer. O menino tinha olhado de perto, mais de uma vez, o cano de revólveres, e tinha perdido todo o medo da morte. Esperou pelo fim, abraçado ao violino. O Capitão Hans Bauer estava a ponto de apertar o gatilho quando uma ideia brilhante passou pela sua mente perversa: "Leve o garoto para as câmaras de gás, e faça-o tocar ali. Ele diz que toca apenas para os judeus." O guarda bateu os calcanhares, fez uma continência e apressou-se a cumprir a ordem do seu comandante. Antecipando a diversão, ele empurrou Chanan na manhã seguinte até as casas de tijolos com as câmaras de aço.



Chanan tinha ouvido falar da morte pelo gás, e tinha visto o tipo de tratamento que os alemães tinham dado aos judeus no Gueto de Varsóvia. Porém não estava suficientemente calejado para os gritos dos moribundos por trás das enormes portas seladas. Chanan olhou para seu amado instrumento que tinha nas mãos. Sua cor castanho escuro parecia ter se transformado em vermelho sangue, e em vez das doces melodias havia apenas aqueles gritos assustadores e gemidos de agonia.
Não havia esperança por trás daquelas portas, e não havia sentido em continuar vivendo. Chanan agarrou o pescoço esbelto do violino com as duas mãos, ergueu o instrumento acima da cabeça e esmagou-o no rosto do SS mais próximo. Um minuto depois, seu corpo jazia ao lado do instrumento destruído. Capitão Bauer ordenou que Chanan fosse enterrado junto com os pedaços do violino. Ele tinha um senso para o dramático, e seus amigos, quando voltasse para casa, apreciariam a narrativa desta parte de suas histórias de guerra.

Aos poucos afortunados que escaparam do horror de Varsóvia e

Treblinka, Chanan nunca morreu. Eles sempre verão o menino

quando este caminhava em meio à rajada de balas, inspirado, e

inspirando desafio e fé, com as melodias do seu violino de madeira

escura.



Esta história tão triste, mas tão cheia de Amor, Paixão e Fé, foi-me

cedida pela minha querida amiga

Sónia Craveiro



Muito obrigada
Beijinhos

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